Irun/Finisterra



(sete dias de bicicleta em duas etapas, 1.077 km pelo Caminho de Santiago Francês)


Quase esquecera a negra representação do peregrino com mazelas sentado no banco da praça central de Burgos e as ruas de grandes lajes soltas que rodeavam a grandiosa Catedral; estava de novo no caminho que tinha largado um ano antes, era de madrugada e não via claramente a paisagem iluminada pela lua em quarto crescente mas parecia-lhe plana, inóspita e silenciosa, como as caladas corujas a darem-lhe as boas-vindas quando iniciou o caminho em direcção a Finisterra, sentia uma sensação de solidão e fragilidade perante a noite e o desconhecido que parecia repudiar mas, por contrario o atraía, tal qual uma mariposa perante uma candeeiro aceso, também ele não sabia que poderia queimar as asas no voar.
Parecia ter decorrido uma eternidade desde que o comboio “sud’express”…o mesmo, velho e acabado trem que o deixou agora em Burgos e há um ano atrás o apeou em Irun/Hendaye, daí pedalou por colinas de pedras, montes de ervas verdes e vales fundos em manhãs insofismáveis e vinhedos de uma Rioja inflamada por sóis que queimavam a pele e ressuscitavam almas de Lázaros e peregrinos. Cruzou no País basco o “coast to coast” outro caminho que estava realizando do Atlântico ao Mediterrâneo e nesse ano de 2010 não tinha corrido pelo melhor com um pé torcido e um regresso antecipado, esperava o ano seguinte para fazer melhor e tentar chegar o mais depressa que pudesse a Cap de creus, perto de Girona .
Chegou a Leon de noite tendo percorrido um planalto semi-deserto e quente com poucas sombras. A estrada romana rectilínea ainda se conservava em bom estado nalguns troços ,enquanto noutros as pedras soltas dificultavam a normal posição de sentado na bicicleta, teve de fazer quase cem quilómetros protegendo-se da trepidação, foi difícil mas sabia que depois de passar por este sofrimento chegaria rapidamente ao fim.
O Albergue municipal de Leon era num acinzentado edifício da revolução industrial, uma reabilitação recente transformara-o num dormitório moderno embora sem o admirável cheiro a bafio e ranço característico de tantos outros lugares medievos e com estórias tamanhas para contar como por exemplo o de Roncesvalles, um antigo estábulo de cavalos convertido em dormitório.
As portas da Galiza empinaram-se subitamente e substancialmente antes de piedrafita de Cebreiro,não consegue superar esta parte antes do fim do dia ,a noite é passada num albergue na aldeia de Ruitelén de Herrerías , denominado “o pequeno Potala” gerido por um  ANTONY QUINN  que fazia lembrar o Grande Zorba Grego, com voz de trovão, o acordar aqui fez-se pelas 5 da manhã com árias de Maria Callas e Montserrat Caballé ,foi um despertar glorioso como convinha, para o terceiro e ultimo dia até Santiago de Compostela .
Sentia-se muito animado com o sucesso das últimas etapas (estava escrito a amarelo “ânimo” em muitos muros) faltava apenas um último dia de esforço e depois a continuação para Finisterra (81 km)
Foi um sobe e desce escalonado, rápido e rotineiro, contou os metros ganhos hora a hora e a custo no meio de floresta mais ou menos densa e caminhos curvados, jogou o corpo na aposta de chegar.
O saldo do sofrido sacerdócio final sentiu-o na emoção de ver o Mar da costa da Morte em Finisterra e não era de forma alguma comparável á chegada a Santiago, tinha atravessado um caminho de migração milenar desde o cantábrico em Irun ao Atlântico e a recompensa estava ali naquele cabo, rodeado completamente pelo nevoeiro, fez as últimas pedaladas sob uma chuva miúda que contrastou com o calor rutilante da meseta central Espanhola.
Voltava para casa com o sonho de iniciar outra aventura mais distante “a rota da seda” de Beijin a Istambul por desertos e guerras, 12.000 km em muitas etapas mas estava decidido a fazê-lo a todo o custo.

Jorge Santos (Setembro 2010)

Faro-Chaves em bicicleta



Faro/Cantábrico


Bamboleando-se por Alentejos Sadinos  e bordejando águas salobras depressa o comboio ganhou nas muitas curvas  as planícies verdes e solestícias  com destino a Faro ,chegou às previstas 17:30
Foi hora de montar a bicicleta em sentido literal porque a transportou desmontada como mandam as regras e  também fisicamente pois foi subindo sempre e com dificuldade em direcção A barranco do Velho onde chegou  de noite, tinha de descansar e nada melhor que um alpendre abrigado da chuva miúda e impertinente que caía e caía sem dó, não havia a prevista e habitual escola “antigo regime” (normalmente refugiava-se em escolas) mas um centro social serviu o propósito que era simplesmente dormir.
Pelas seis Horas da madrugada  inicia-se o percurso incerto que o levaria até ao outro mar bem mais a norte ,o Cantábrico, lado oposto da Península e a cerca de mil quilómetros de distancia , em outras duas ou três etapas.
O sol descobria uma esguia silhueta de ciclista que se projectava agora para a esquerda e abrangia toda uma serra silvestre e verde  embora colorida assim por curto espaço de tempo, o Caldeirão era incandescente e habitualmente seco como um deserto e vermelho como o fogo  que insistia em atacar com labaredas e persistia assim anos e anos a fio esta desertificação, os cheiros agora eram de estevas e humidade fresca, até perto do meio dia e aí já sem as referidas e frescas sombras.
As cegonhas perderam o nomadismo e nestas terras malditas e ditas sem sombra não trouxeram mais almas nem devolveram as emigradas nem as ninhadas destas trouxeram filhos, ficaram os velhos e doentes mirando horizontes planos sem vivalma.
Era dia dos cravos (2010) mas as revoluções esqueceram-nos , ficaram-se por comemorações vazias de significado ,por todas as localidades onde ainda havia gente e trabalho as autarquias empenhavam-se em  manter  a chama  tardia.
A distancia até aos cem quilómetros pareceu curta, as pernas respondiam á frenética vontade de pedalar, parecia que o destino estava ganho, faltava metade e o acumular de esforço iria  tornar-se dilacerante para os músculos ainda recentemente repousados por um inverno assaz longo .
A estrada nacional 2 em mau estado no distrito de Setúbal baixaria a media que teimava manter-se teimosamente nos 22 km hora, depois ainda ficava no caminho uma pequena serra já no fim do percurso, Monfurado estava posta ali mesmo antes do final desta etapa em Montemor-o-novo e parecia um interminável obstáculo.
Chegando ao termino e esticar-se na relva do pequeno jardim à entrada de Montemor avalia o que já fizera em termos Peninsulares, desde a tentativa de atravessar os Pirenéus do Atlântico ao Mediterrâneo no mais curto espaço de tempo ou seja 14 dias (faltavam-lhe 10 dias), O caminho de Santiago Francês em sete dias (faltavam três dias para finalizar), planeia a continuação até Chaves e ao Cantábrico mas não sem duvidar um pouco da sua boa sanidade mental que o levava e ele e ao corpo até ao limite, sem razão ou recompensa aparente que não fosse aquele sentimento de “dever”cumprido,mas qual dever? deveria isso a ele próprio ?(por egoísmo) ou sentia-se na obrigação de superar todos os outros “eus”que o afligiam e diziam ser impossível,contrariava toda a família e até os músculos, a solidão , o medo que sentia e tentava enfrentar, restava-lhe saber -em prol de quê ? E porquê!? Talvez nunca obtivesse resposta a esta pergunta,
Entretanto estava de regresso a casa, á família, ao conforto e ao trabalho, rendido momentaneamente, mas não vencido, as serras, os caminhos, os trilhos e as paisagens, as falésias de cortar o fôlego ainda esperariam e seriam suas e ele faria parte delas e ele sonharia de novo e sempre o sonho de ser parte da natureza e partilhar o mesmo ar que esta respira
O destino dele era ser Transhumante

Jorge Santos / Transhumante
Abril 2010



Montemor/Góis (pela estrada nacional nº 2) 2ª etapa até Chaves

Desta vez, (28 Agosto 2010) já é no meio de acastanhados cachos de uvas e secos pastos que um velho autocarro transporta a bicicleta, desmontada (como é regra), como se no porão vazio do grande veículo não coubessem pelo menos 100 bicicletas,
Apeiam-no em Montemor-o-Novo,e a mesma frase dúbia do condutor deste transporte público tal como no Comboio que o levará nos próximos dias (11 Setembro 2010) para Burgos “queremos a bicicleta devidamente acondicionada “, sabe lá ele (ou alguém) o significado dessa frase.
O autocarro tem partida no terminal rodoviário de Setúbal às 14:30, um sábado e em boa hora pois termina o trabalho pelas 13 horas, (todas as aventuras próximas têm inicio no mesmo horário), tinha de trabalhar e conciliar os tempos livres sem perder demasiado tempo em fins-de-semana tão curtos, apenas o tempo de comer a enorme e saborosa bifana acompanhada com muita cerveja no café “pic-nic” de Montemor, um ponto de paragem que não esquece ,cada vez que se desloca nesta direcção.
São Geraldo,Ciborro ,Brotas ,Mora e Ponte-de-Sor terão de ser alcançadas antes do põr-do-sol nesta etapa, a Serra da Lousã, depois de Vila-De-Rei será a parte mais dura e enrugada do trajecto pela estrada nacional 2 e ele não pode chegar muito tarde ao fim do percurso.
Esperam-no, em Góis alguns providenciais amigos de longa data que o transportarão de volta a casa, um conforto que não subsistirá mais para norte, onde apenas terá que contar com ele próprio para regressar a casa, de qualquer forma não tem por costume depender de ninguém e espera não se dar mal com esta confortável boleia de regresso.
16:30, tempo de partir.
Quase que se pôde considerar monótona a estrada de planície que separava Montemor de Ponte-de-Sôr,(km 444) só em Abrantes e depois de Atravessar o Tejo aumenta a dificuldade mas também o desafio das longas e frequentes subidas quando a estrada perde o nome ilustre de N2 para as novas I.P’s.
Rasgam-se paisagens depois de se levantar cedo, a pernoita fez-se nos Bombeiros de Ponte-de-Sor mas o pequeno almoço muitos quilómetros de estrada em sobe e desce constante ,na Sertã às 11:30 hora
Procura pelo marco 333 próximo de Pedrógão mas não o encontra, não tem muitos objectivos para fotografar e inúmeros marcos desta estrada encontram-se desaparecidos ou em mau estado, havia que dar testemunho deles antes que desaparecessem de vez.
O conta Quilómetros da bicicleta já passa dos duzentos e quarenta quando a vontade do transhumante (aquecida pelos 36 graus às 16 horas de uma tarde ardente) se derrete e transforma o que até aí tinha sido um prazer apenas numa aposta em alcançar Gois, pouco depois de Passar Alváres e o marco do Km 300 (faltavam 300 km para Chaves)
O telemóvel toca, são os amigos que o despertam para o cansaço e desiste de pedalar antes de chegar ao  ponto mais pitoresco do percurso, no alto da “Portela do vento”.
De uma saborosa média de 25.50 km/hora tinha descido rapidamente para a média sofrida e habitual de 22.22 km/hora, estava pronto a desistir para continuar noutro fim-de-semana, não tinha que provar nada a si próprio nem a ninguém e sentia que tinha cumprido o que se propusera, quase alcançara Góis, na próxima etapa terá de viajar de autocarro até Coimbra, tentar encontrar esta Aldeia perdida na Serra da Lousã (Alváres) e reiniciar daí a viagem, talvez já até ao final, se este for Chaves, ou até ao Cantábrico, um pouco mais longe, tem em boa memoria as Termas de Ourense e espera revisitá-las outra vez para recuperar os músculos doridos.
Além disso, na semana próxima, em 11 de Setembro (2010) será nessa mesma rota que tentará cumprir os últimos 600 km de transhumancia nos Caminhos de Santiago até ao Cabo Finisterra….
(continuará…)

Jorge Santos


Pedrogão / Chaves em bicicleta (conclusão)

Na véspera de partir, o Transhumante fez um telefonema para a empresa de transportes “de expressos” reservando lugar ,
Perguntou se aceitariam o transporte da bicicleta para Pedrógão Grande, a localidade mais próxima de Alvares e do km 300 onde tinha parado na última etapa do Faro/Chaves.
A resposta foi afirmativa, na parede da estação de autocarros de “Sete Rios” em Lisboa viu escrito em letras vermelhas “É proibido o transporte de bicicletas”,
Foi bem-vindo a bordo do autocarro da empresa de Expressos para Pedrógão Grande, arrumaram-lhe a bicicleta previamente desmontada no porão e hei-o de partida no fim de tarde, às 19.00 horas de uma quinta-feira de chuva e trovoada.
Chegado a Pedrógão pediu mais uma vez permissão, como ao longo de todo o caminho, para pernoitar nos bombeiros voluntários, dormiu no grande salão de festas.
Na rua, uma chuvinha miúda ameaçava a progressão do dia seguinte, convenceu-se que acordaria pelas 5 da manhã e lutaria contra todas as intempéries, haveria de chegar o mais próximo possível do fim da odisseia de atravessar Portugal na vertical.
Estava muito longe de casa e não lhe era já tão familiar esta paisagem rústica de montanhas rudes e pessoas xistosas, da mesma cor do céu e da ameaça da trovoada.
Desconhecia quantos quilómetros tinha pedalado até Castro D’aire,( no total seriam 331.60 km) estava tremendo de frio e mais uma vez os providenciais bombeiros serviram de abrigo na noite de sexta feira santa para sábado 22/23 de Abril , (sem eles não teria conseguido).
 Tinha de prestar homenagem a esta gente que abnegadamente prestava um serviço importantíssimo a populações envelhecidas das regiões interiores de Portugal e a quem sinceramente agradecia o abrigo que lhe haviam oferecido durante esta e outras jornadas, sentia-se protegido pelos Bombeiros de Portugal
Pela primeira vez no dia, em Castro D’aire devorava uma refeição quente, a primeira desde que saíra de casa, em Setúbal estava apenas com o pequeno-almoço desde Pedrógão, depois do dia extenuante do ponto de vista físico e psicológico, a chuva constante desgastara e corroera-o por dentro, e  nestas situação extremas, principalmente por estar sozinho sentia ainda mais que o destino lhe pertencia ,o destino de Transhumante.
O sábado começou bem e com um lindo sol.
A saída da localidade foi confusa (assim como outras) por não estar bem sinalizada, dava-se mais atenção, não sabia se ingenuamente, às placas sinalizando auto-estradas e Ip’s e esquecia-se de uma forma sistemática os itinerários nacionais e regionais como por exemplo esta estrada Nacional 2, que liga as pequenas vilas e cidades, desconfiava muito desta falta de sinalização que acontecia até nas grandes cidades como Coimbra e outras e levavam os utentes das estradas a pagar tarifas de portagens de valores absurdos por km’s que podiam ser feitos em percursos bem mais baratos e cénicos.

Ao descer os quase vinte Km’s até Lamego e Peso da Régua o sorriso do Transhumante aumentava, O Porto de honra bebido á saída da Régua ajudou nas pequenas subidas que se sucederam até Penaguião e Vila real, não podia adivinha o que aconteceria no fim de tarde e nesta mesma cidade.
À laia de comemoração almoçou no restaurante “Passos Perdidos” em Vilarinho de Samardã um grande naco de carne de vaca Mirandesa, pediu aí para consultarem na internet os horários de autocarro de Chaves para Lisboa descobrindo como tinha sido precipitada a celebração, iria perder o último transporte desse dia de Chaves para Lisboa, iniciava-se então uma viagem de regresso atribulada.

Uma questão positiva destacava no trabalho destas autarquias para lá do Marão, a recuperação das antigas vias-férreas de toda a zona e que possibilitavam a deslocação de peões e ciclistas desde Vila real a Chaves e Verin em Espanha, era muito importante possibilitar e defender o uso de bicicleta por todos os motivos imagináveis e não o oposto e considerar respeitosamente os ciclistas e backpacker’s qualquer que fosse o seu aspecto ou distância que estivessem de casa e como cidadãos plenos de direitos e não como indesejáveis apenas porque consomem menos que os turistas ditos “normalizados”
Apesar do Autocarro da “Rodonorte” passar para Lisboa vindo na direcção contrária, tinha sem dúvida de fotografar o marco “0” em Chaves e assim fez.
Depois, quase sem parar, tomou Autocarro da empresa Alto Tâmega que o levou a Vila Real, restava-lhe agradecer a esta empresa de autocarros que não pôs em questão o transporte da bicicleta e ao atencioso motorista que saiu no sábado dia 23 de Abril às 17.00 horas em Direcção a Peso da Régua.


Restava-lhe o orgulho pessoal de ter completado o percurso da maior estrada do país, a estrada Nacional 2,era tempo de pensar no próximo projecto “A rota da seda em bicicleta” por áreas mais remotas do planeta de Xi’an a Istambul…Apesar de tudo Deus é Grande...e Perdoa

Jorge Santos (04/2011)

"Requiem for a Dream" ou


O Transhumante


 "Versus de Montanya Mayor"


Sud-express , embalado , em lençol deslavado,o Transhumante adormece
rapidamente . Nos beliches próximos Hamid, gordo e seboso que dizia em mau Inglês 
ter como destino o Cairo , e um estranho sujeito, de olhar magro , detrás dos
óculos redondos ,com poucas palavras em que dizia vir do Alaska . 
Na escuridão do compartimento apenas o foco de luz da lanterna lhe permite escrever, seria A Luz, sua companheira nos momentos negros , pelo Pirenéu "nos versos de Montanya mayor".
Na Primeira noite , ficou em plena floresta, em Elizondo, no bosque furioso ,onde o vento o fustigou  uivando como um lobo toda uma noite sobre aquele pequeno e frágil refúgio , azul e negro (o bivac) da cor da potente tempestade. 
Virando-se para trás, fitou, na manhã seguinte, um esquiço de Pirinéu que não
esqueceria jamais, tinha-se perdido nesse mesmo local, em idos de Junho , doutro
tempo, por defronte, bem alto, enfrenta um rasgo de Pirinéu mais tosco, tentará desafia-lo e rasgar o medo de ser solitário. 
seguidamente e Já em Urvallo ,numa pequena e típica cabana de caça, Pako e família ,partilharam com ele uma generosa refeição inundada a vinho que o reabilita e insta  ,os quilómetros seguintes foram divertidos e relaxados,instalou-se nele a confiança,
, até encontrar um holandês , que o considerou louco , por cantar em voz alta ;
Mas…quem se poderia considerar são, naquelas intermináveis danças, com árvores e
pedras. Pensou em Saramago , no “Memorial do Convento “,”completamente louco , varrido, numa terra , varrida de loucura.” 
Veio então Burgette,outra pequena aldeia de montanha ,mais alguns km.de
pista e encontra finalmente os primeiros peregrinos de Santiago, inconfundíveis
, no aspecto medievo; poncho, cabelos compridos, chapéus de cabedal e
também de emoções diferentes , ainda não partilhadas por ele , homem pouco dado
a epifanias, pelo menos até aquele momento.
Chove constantemente, mas mãos bem assentes , em cumprimentos efusivos dos peregrinos sobre os seus ombros como que o protegem .
O trilho, apesar de difícil,fluía perante os seus olhos, sob os pés demasiado cansados,rumo a mais um colo de outras florestas.
Um belo arco-íris em Mendilaz,outra aldeia , nada fazia prever , perante aquela imagem , o tsunami que essa noite iria cair, felizmente o "fronton",(recinto de pelota basca)
coberto , evitou males maiores, conseguiu dormir seco.
Enfim , Ochagavia e Isaba ,e depois da tempestade a bonança , fresca , com cheiros benignos e resinosos ,acompanhou-o , na respiração rápida e ofegante de caminhante feliz , Col de Somport e Candanchú aproximavam-se depressa,Venceu-se horizontes
e espanta-se que , as novas vistas , sejam diferentes , apesar de iguais , e
assim progride , diariamente , tentando ver o que está por detrás do monte,por
detrás dos novos e iguais horizonte.
Os grandes estradões gastos, antes de começarem os caminhos empinados, permitem-lhe escrever enquanto caminha rápido ,o tempo , demasiado calmo, anuncia a nova tempestade, nas tardes certas ,sempre  em tempo certo.
Imensos esquilos fugindo, alguns  veados e cavalos , quase o empurram, o céu tinge-se de negro, rugindo forte , ao som das trovoadas.
"Valle do Ecco" ...escrito no mapa molhado , um Vale, onde nem os próprios pensamentos  consegue ouvir. 
Encontra Ascencion e Angel,foram companheiros por algumas horas e repartem com ele  batatas cozidas,acompanham-no poucos kilometros , mas logo ficam para
trás .
Apenar os nomes destes,Angel e Ascencion , não se enquadram com o local onde os encontrou,Valle do Erro (vale dos Cavalo),seria engano ,estaria errado de novo? (como em 2007) Desacertado encontro com Anjos,mais tarde haveria de pensar nesse acontecimento. De novo alcança protecção, na escuridão de Isaba .
Terceira noite adormece  apesar de fortes dores num pé torcido de quando caiu de uma
ravina sobre um colchão de folhas podres , foi a mochila que felizmente amparou a
queda. 
Depois disso viu (ou pensou ver)  o que pareceu "O S. Miguel," na porta
do mosteiro do século doze,como uma miragem , mas foi só ele que o conseguiu ver em doze séculos , foi um sopro de esperança , na realização da difícil etapa e e no finalizar do percurso. Coxeando muito, arrastava o corpo cansado em direcção de Zuriza e Aguas Tuertas , depois e porventura acabaria chegando a Candanchú ,coll du Somport, quase doze horas de marcha tarefa árdua  , mas pensava conseguir chegar, estava bastante animado. 
Acordou ainda era noite fechada,tinha de esticar o passo em direcção ao desfecho, iria percorrer um terreno muito mais difícil de montanha, com trilhos pouco definidos e sem mapa, já que, quando partiu de Irun,(local da foto acima) , não pensava chegar
tão longe ,a neve , fora de época e pendurada nos picos de Penha Forca ,incomodava-o, teria de atravessar,com ténis , uma zona de progressão mais técnica e difícil. 
Encontra então o derradeiro Miguel,quem sabe, talvez o S. Miguel da porta da Igreja do século doze (,aquela figura dúbia que apenas a ele ,doze séculos depois do carpinteiro a talhar lhe parecia mostrar o S.Miguel estilizado na porta de madeira velha) 
Miguel nunca tinha pisado a Montanha tão seriamente , condutor de autocarro, resolveu uma semana antes atravessar esta rota ,assim e sem mais , nem menos... .
mas foi Graças ao apoio mútuo que chegaram
ao coll du Somport,Candanchú.
Miguel continuará ainda caminhando, entre os caminhos dos peregrinos e outros, 
nos "Versus da Montanya mayor" em busca de outros viajantes solitários em perigo.
Ele ,"O Transhumante" ,regressará de novo em outros dias de outros Junhos , noutro tempo ( por sinal este ano de 2010 a 6 de Junho),na tentativa de chegar a Andorra ,até ao Mediterrâneo em 2011, e mais além....Talvez, (porque não Istambul ?)



Jorge Santos/Transhumante
05/2010





O Silêncio do Nada
2ª etapa (Coast to Coast) Atlântico /Mediterrâneo
3 dias e meio (Canfran/Viadós)
O dia estava morno e ventoso enquanto calcorreava as escadinhas de Alfama, ao fim do dia despediu-se da companheira o do filho no Museu da água e um táxi levou-o ao aeroporto, opção que se revelaria incómoda, apesar da rapidez deste meio de transporte em relação ao autocarro habitual (Lisboa /Madrid costumava demorar cerca de 9 horas).
Estava animado pelo sucesso do ano anterior, tinha percorrido 250 km em quatro dias e meio, ainda não tinha recuperado completamente do pé torcido (talvez nunca recuperasse), mas nada o detinha na tentativa de atravessar do Atlântico ao Mediterrâneo, desta vez começaria em Canfran, perto de Candanchú, (coll du Somport) onde tinha finalizado em 2009,Canfrac era uma linda estação de caminho de ferro, monumento de outras épocas mas tristemente abandonada junto á fronteira com a França, esperava ainda os comboios que não mais chegariam, por estúpidos motivos políticos.
Eram 13:27, hora de almoçar e lançar-se montanha dentro apesar da chuva forte e da neve em quantidades recordes nas portelas e cumes, percorreria 18 km até ao anoitecer em Salent Galego
Ao chegar a Fuerte Col de ladrones, uma pequena fortificação de portagem medieval, já está encharcado até aos ossos e tremendo de frio, sob a pouca roupa que tinha consigo, afinal era verão e tinha de carregar o mínimo de peso para conseguir alguma velocidade num terreno tão inclinado como era aquele com passagens pelos 2.500 metros e desníveis consideráveis.
O xisto cinzento parecia fazer crescer um céu tormentoso quando chegou a Formigal, uma Dantesca estancia de ski, teve de apressar-se ao sentir os típicos sinais de resfriado provocados pela neve e gelo e o esgotamento dos cerca de 20 km feitos numa única tarde, quando chega finalmente a Salent Galego entra na primeira porta e nem negoceia o preço da noite, tinha pressa de secar e dormir, a última noitada tinha-se passado esperando transporte no terminal rodoviário de Zaragoza, dando voltas à enorme estação para conseguir manter-se acordado, sabia que o perímetro demorava uma hora a completar, em passos lentos e foi assim contando as horas de uma noite difícil, mas era preferível a acordar sem nada como já tinha acontecido fazia tempo
De manhã acordou as 7 horas, mas sai do hotel as 8 horas em ponto, com céu limpo espelhando-se na barragem de Sallent a caminho de Panticosa mas fê-lo pelo caminho fácil, tinha-se informado previamente da viabilidade de outro caminho mas a neve continuava intransponível, além disso este estradão ia directo até ao balneário de Panticosa, outra aberração Pirenaica, uma estação Termal cinco estrelas inaugurada e logo abandonada, este atalho permitia-lhe aumentar substancialmente a velocidade média do percurso por ser feito numa estrada e não num caminho sinuoso e difícil como a maior parte do percurso.
Olha para o relógio, eram 11 horas e estava já em Panticosa, percorrera 20 km em 3 horas e esteve animado nos restantes 17 km até Bujaruelo onde chegou pelas 5 horas da tarde,a tempo da primeira refeição do dia e recuperar fôlego para os próximos 18 km até ao Parque natural de Ordesa (Cabana Suaso).
Pela primeira vez encontra uma alma viva no trilho, assusta-o o rastilhar do mato, era um corredor de longa distancia que aparece repentinamente, ia na mesma direcção e mais tarde protagonizaria com ele o abandono do GR depois de se perderem juntos em Goriz.
Foi um dia longo, percorreu 56 km, já tinha anoitecido quando se aconchega frio e molhado na Cabana Suaso cheia de centenas senão milhares de inofensivos ratos, no Parque Natural de Ordesa e Monte perdido, o pé voltou a resvalar numa pedra e foi dolorosamente que se arrastou a ultima centena de metros e de novo sob chuva forte, a chuva constante de todas as tardes Pirenaicas.
Mas renova-se de energias no terceiro dia pela excelente paisagem de canyons e florestas densas da zona, Goriz e Anisclo eram agora as metas e seria talvez no Refúgio de Pineta ou a aldeia de Parzan sua próxima meta,ainda não sabia ele que chegaria a Parzan sim, mas no carro de apoio do John ,o incontornável corredor de montanha.
O trilho escondeu-se sob a erva muito alto, (de novo devido à meteorologia extrema do ultimo inverno) as confortáveis marcas brancas e vermelhas desapareceram, esperando por ele mais à frente estava John, o referido colega de percurso que lhe fazia lembrar uma lebre sendo ele a tartaruga, o outro corria, e ele, com algum peso às costas (além da idade, que começava a pesar também, apesar de Transhumante) tentava deslocar-se o mais rápido que podia.
Foram horas que passaram na busca do trilho e de “Fuen Blanca”um manancial que indicaria ser por ali o trilho que desceria pela vertente, não podiam inventar, só aquele trilho os levaria ao vale e ascenderia depois ao colado Anisclo, uma das subidas mais íngremes de toda a viagem.
Foi decepcionado que o Transhumante desiste do projecto pelo qual esperou um ano , saíndo do percurso, alcançá-lo de novo implicava um dia de marcha e as condições anímicas não eram as melhores nessa altura para lhe permitirem retomar o caminho.
Baixa para a aldeia de Nerin onde felizmente o aguarda John e o transporte que o coloca de novo na continuação da marcha, desta vez mais á frente, na pequena aldeia de Parzan, a poucos quilómetros do túnel de Bielsa, pensa que talvez assim consiga chegar a Benasques , abandonada de vez a vontade de alcançar Andorra. O aneto, próximo de Benasques marcava a metade do percurso Gr11, costa a costa e seria suficiente nesse ano ,regressaria mais tarde onde se tinha perdido para averiguar melhor, por agora estava conformado e cansado,terminou o dia com uma derrota de portugal face a Espanha no Mundial da África do Sul de 2010 e jantando na única taberna da Localidade, servido por uma imigrante do Brasil, ironias do destino.
Tem 40 km para percorrer, o pé inchado dificulta-lhe a marcha, de novo Jonh passa a correr e despedem-se:-até Benasques, Pensam encontra-se novamente no final mas não conseguiria lá chegar, ao meio da tarde e feitos apenas 20 km, desiste na cabana "refúgio de de Viadós", consegue boleia na aldeia de Plan, haveria de voltar de novo no ano seguinte, esperava ele , e com melhores condições atmosféricas, talvez com menos neve nos cumes e menos chuva nas tardes curtas.
Recorda-se do ano anterior(2009) e do Miguel ,o S. Miguel do convento do século xII ? ou simplesmente um condutor de autocarro, este ano tinha comparecido diante dele um Deus alado, O Mercúrio determinado e com asas nos pés ,qual seria no ano seguinte o personagem que o acompanharia, tinha curiosidade em saber e doze meses para melhorar do entorse ,talvez não fosse má ideia usar botas na próxima vez, em lugar dos usados ténis , apesar destas lhe diminuírem consideravelmente a velocidade.
Em Ainsa ,depois de Plan ,apanha uma outra boleia boleia (fazia-o recuar aos tempos em que viajava de boleia pela Europa) desta vez deixa-o na estação de autocarros na cidade de Barbastro, com destino a Saragoça , Madrid e Lisboa, soube-lhe a pouco os três dias e meio no silencio do nada (120 km) e depois aquela interminável viagem de autocarro de 900 km, mas sabe que regressará no ano seguinte…
Por agora resta-lhe voltar A Burgos para finalizar de bicicleta o "caminho de Santiago" até Finisterra, 600 km de trilho e ele ainda pode pedalar,o movimento dos pedais não o incomoda demasiado,como treino tentará fazer a estrada mais longa do país ,a N2,com 900 km de Faro a Chaves ou ao Cantábrico,tão distante para alguns mas tão perto para ele, pensa no seu amigo Idílio,( http://bacalhaudebicicletacomtodos.blogspot.com ) a pedalar do pólo Norte ao pólo sul e como gostaria de o acompanhar ou talvez não,está tão habituado a estar só que encara como natural esse estado,esse silencio...esse nada...

Jorge santos
http://namastibetphoto.blogspot.com

Junho de 2010







Transhumante Parte 3 (Diário de um Louco)


Os primeiros orvalhos do Outono já se faziam sentir nas planícies madrugadas de Espanha e vestiam-se de ruivo nas espigas e nas vistas da janela  do comboio/Hotel Lusitânia. O Transhumante despertava de uma noite mal dormida em solavancos e guinadas para mais uma etapa nos Pirenéus, depois de chegar a Madrid ainda teria de percorrer outras estações e outros comboios mais modernos e rápidos que o levariam até onde tinha terminado no ano anterior, em Ainsa, S. Joan de Plan/Biadós.
Um táxi colectivo despejou-o já noite, no fim da estrada de alcatrão que tão bem conhecera no ano anterior (2010), sabia a distancia que iria percorrer a pé até ao refúgio, (cerca de vinte quilómetros) mas não, se estaria aberto dada a proximidade do inverno e, para aumentar a incerteza não tinha comida para essa noite nem para se lançar nos caminhos costa a costa do GR 11.
Ainda ponderava na lucidez do seu estado mental e no que o levava a fazer este disparate de atravessar os Pirenéus do Atlântico ao Mediterrâneo quando as luzes de um veículo-tod’o-terreno iluminam a estrada, iam na mesma direcção e tinham uma valiosa informação – O refúgio estava aberto -já tinha transporte e também onde “senar” e dormir nessa noite, começara bem esta aventura de loucos.
Acordou “com as galinhas”, mal se avistava já os caminhos ténues da montanha mas felizmente o bom tempo presenteava ainda um doce fim de Setembro que mais parecia primavera e nas pernas do Trashumante, as primeiras horas decorreram gloriosas, corria como um louco, esquecera tudo quanto deixara para traz, respirava o silencio do nada numa terra inundada de loucura.
Recordava as manhãs longínquas de quando iniciou dois anos antes em Irun esta rota e lhe parecia estar tão distante do final, no Mediterrâneo em Cap de Creus, mas afinal já tinha feito metade, estava agora percorrendo a parte média ou central, mas também a zona mais alta da cordilheira Pirenaica, onde as tempestades poderiam ser mais perigosas e as etapas mais dolorosas com desníveis consideráveis(entre os 900 e os 2.700 metros).
Conhecia grande parte destes lagos de montanha e parques naturais paradisíacos, melhor que o resto da cordilheira, mas durante todos os anos que deambulou por aqui, nunca imaginara que pudesse passar um dia correndo de Norte a Sul ainda menos como lobo ou urso solitário, quase sem roupa para mudar, sem comida para as jornadas nem apoio logístico ou mesmo transporte próprio para fazer, depois de terminadas as jornadas, os 1.100 km que separavam a montanha, do conforto da casa e da família, da normalidade.
Era uma rematada loucura estar correndo os 800 km da rota Pirenaica não sendo um habitante local, habituado e melhor conhecedor da região, para estes bastavam oito dias, como lhe disseram ser o “record” da travessia, mesmo assim estava determinado a usar apenas 12 /13 dias, talvez poucos o conseguissem.
Na porta do refúgio de Estós, num papel escrito a pressa, dizia que o guarda voltaria próximo do meio-dia e meia hora, tentaria almoçar mais tarde, apesar do estômago já o avisar, esperava não perder o trilho ou perderia também a refeição do dia.
Quando descia o interminável valle de Estos interrogou uma família de camponeses locais que se encontravam colhendo “setas” (cogumelos), perguntou se estaria na direcção certa para Andorra e mais uma vez ficou desassossegado perante a resposta, segundo eles estaria completamente fora de rota e era uma loucura aventurar-se assim em distancias tão absurdas e sem saber onde estava nem por onde ir, diziam eles que Gr 11 eram todos os GR’S, pois todos tinham o mesmo nome GR 11.1,GR 11.2 etc.
Revelou-se mais uma vez ser desnecessário pedir informações a quem não entendesse as razões de outros para quebrar as próprias peias mentais.
A meio da tarde um oportuno “camping” ainda aberto nesta época, junto da estrada principal que conduz a França pelo túnel de Bielsa, proporciona-lhe a tão desejada refeição com cerveja para pacificar a sede, já se faziam notar no céu as nuvens negras da trovoada que aí vinha.
Um estradão largo e monótono condu-lo durante toda a tarde a uma portela que tardava em chegar até que, pelas 17 horas encontra duas jovens moças, Ivone e Elena a porta de um refúgio não guardado, acompanham-no e ajudam-se mutuamente a superar o medo da tempestade e dos sonhos em que um urso dourado, o devora devagar até de madrugada.
Tal como noutra etapa em que Miguel, o S. Miguel “da porta do convento”, foi um considerável apoio depois de um pé torcido, aqui Ivone e Elena, tiveram também um efeito reconfortante perante uma noite feita dia com os “flashes” de tantos e tantos relâmpagos apenas com um mero segundo entre a luz e o som, nos intervalos via aparecer perfilados “hobbits“ ,”brujas” e outras personagens surreais.
O dia seguinte ainda seria mais alucinante que a noite, o ar estava límpido como sempre fica na bonança depois da alguma tempestade e a correria pelo monte abaixo embriagava-o, o vento fustigava-o no rosto transpirado e continuava a correr indiferentes as dores nos joelhos, as bolhas nos pés, ao cansaço de todos os músculos, alguns até que nem ele sonhava existirem.
A meteorologia adiantava neve para os próximos dias em cotas acima de 2.500 metros e ele tinha de ser rápido pois apenas teria o dia seguinte para chegar o mais próximo possível de Andorra.
Tentou alcançar o refúgio de Colomers, já seu conhecido mas em vão, ao chegar a “Restanca”, de novo os guardas do refúgio o tentam convencer do perigo grande que é continuar, de noite e sob a tão terrível tempestade regressada novamente durante a tarde e num caminho mal balizado nessa zona. Ele convence-se a deixa-se ficar perante uma promessa de jantar, cama seca e do primeiro banho em muitos dias.
Mais uma vez acorda com pesadelos, noite cerrada, para tentar fazer render o último dia antes do nevão, das pistas de montanha ficarem tapadas pela neve. Surpreende-se da forma física que tem aumentado desde que chegou e da vontade anímica de correr por entre os caminhos tortos dentro do parque de Saint-Maurici/Encantats.
Chega a Espot ainda cedo, resolvido a não continuar mais além, o céu prometia neve mas sentia a sensação “Dulce” de dever cumprido. Andorra era já ali ao virar, no total das 3 etapas tinha percorrido 2/3 dos 800 km que separavam o Atlântico do Mediterrâneo pelo trilho do Gr 11, recomeçaria no próximo ano por Esterri D’Aneu, agora já por Barcelona/Manresa, mas de avião, a viagem de 24 horas comboio/autocarro para superar os 1.100 km entre casa e o objectivo era mais cansativa que a travessia da montanha grande.
Tinha um sonho por realizar entretanto, pedalar 13.000 km de Xi’na a Istambul por entre etapas e alucinações, desertos e visões de outros mundos mais ou menos paralelos.


Jorge Santos (09/2011)


Free Tibet

Takelamagan Shamo 1




" --Desde as antigas cidades de Taskent,Kashgar e Samarkand pelo Tajakistão e ate ao deserto de Taklamakan transportaram-me os movimentos ritmados dos camelos, como berços de bossas, enquanto os sons gluturais ,quer dos homens como dos animais ,me embalaram lentos como navios ,pelas noites caladas ,parando apenas quando o sol martelava implacável a bigorna do deserto."
mãos abertas , em concha , agradeceu , inclinando a cabeça e continuou dizendo:
--"Jo, sou eu baptizaram-me assim nem eu sei porquê, talvez por serem as primeiras letras do nome de meu pai , era um homem pequeno simpático e afável que gostava de charadas,sorrisos e jogos de palavras, pelo que ficou o gosto de escrever , viajar e pouco mais, talvez a teimosia, nisso somos parecidos... penso que sim"
"--Vivi no campo , num sitio completamente diferente deste , dificilmente conseguem imaginar a pequena casa e a escola que ficava longe, mais de sete quilómetros mas a ida e vinda a pé era um acontecimento diário e que ansiava quando em aulas.
As estradas eram pouco frequentadas , quase só por mulas e burros que vinham vender hortaliças e fruta á praça , pelo que as carroças serviam muitas vezes de transporte, sabia bem o ram ram da pequena odisseia escola casa ou vice-versa, alguma conversa a meio caminho com o condutor ou o cantoneiro que se esforçava mas pouco , por manter as bermas limpas de ervas,foram tempos bons que me fizeram sonhar”

Falava a custo , com gestos largos e as palavras que sabia ,olhando as estrelas de uma noite sem lua e o rosto dos seus anfitriões, envelhecidos pelos anos e pelo sol,estes , seguiam a narrativa por não terem nada que fazer , alem de avivar as chamas da pequena fogueira , feita com os poucos arbustos que teimavam em viver na desolação,o chá quente,forte e muito doce servido nos pequenos copos de vidro grosso , aumentava a sensação de bem estar sonolento que sentia.
Aberta ao lado a pequena tenda amante e confidente de muitas viagens convidava ao descanso.
"Iyi Geceler" despediram-se com boa noite ,eram Turcos com mercadorias para trocar noutras cidades,talvez Turfan,no Gobi ou Xi´An ou mais a sul , em lhasa no Tibet.

Há muito tempo que tinha abandonado os lugares onde nascera , percorrendo toda a Europa, indo até ao Bósforo em Istambul e depois mais além , deixando para trás as montanhas de Elburz e do Pamir,tudo o que o ligava aos costumes do seu país , ele era agora um deles,dos nómadas perdidos em oceanos de dunas .

No fundo do albornoz , reclamando luz , encontrava-se um livro manuscrito , indecifrável e um mapa que lhe havia sido oferecido por um velho.

Não compreendia aquela escrita enigmática , mas estava no rota certa a caminho de Lhasa como prometera ao ancião.
também como prometera teria de fazer o caminho indicado no velho mapa , o dos nómadas e das rotas da seda , os caminhos ancestrais dos seus antepassados.
Segundo ele só assim teria acesso aos ensinamentos ou verdades presentes nos manuscritos quando decifrados.

Ao acordar , na madrugada tinha sido abandonado sem um adeus pelos companheiros de poucas falas da noite anterior , mas estava habituado a gente de poucas palavras,afinal também o seu pai era um homem de poucas palavras ,confiava mais em pessoas que falassem pouco.
Tivera um vez um amigo de viagem que lhe disse ser vendedor de palavras,como saudade por exemplo.
Talvez ele ainda não tivesse vendido palavras por estes lados,quando o visse dirá-lhe-ia,pensou Jo.

A senda revelou-se íngreme a partir daí,deixando para traz o deserto , encontrava-se no coração de florestas de cedros do libano e muitas árvores milenares que lhe ofereceram sombra durante as hora mais quentes do dia,as aldeias distavam varias horas se bem que não importasse , porque depois das dunas , sabia bem passear lentamente os olhos por tanta verdura.

Semi-deitado numa bicicleta atrelada a uma mini caravana veio ao encontro dele um ciclista pedalando muito lentamente devido ao peso,rosto e corpo magros como um cadáver, da bicicleta pendia uma concha , pelo que resolveu perguntar de onde vinha:
--sou zé do pedal mas mais conhecido por Andorinhão.
--Venho de Santiago
Respondeu uma voz timbrosa com sotaque do brazil.
pensou Jo como o mundo se tinha tornado pequeno ,o que faria por aqui um brasileiro de bicicleta vindo de Compostela.
--Vou para a cidade de Kashgar ,para lá , continuou dizendo e apontando na distancia.
--Escrevo enquanto pedalo disse apontando um mini gravador preso ao guiador ,tinha a vida toda para pedalar,já tinha ido do Rio a new York de barco a pedal e tencionava atravessar o Brazil em cadeira de rodas. 

http://www.zedopedal.skyrock.com/
Ofereceu-lhe da sua comida e beberam chá á entrada de um pequeno lugarejo , num casebre escuro com um nome sugestivo , "Taberna Vendaval,"
Pendiam nas paredes sujas quadros dos mendigos famosos do sítio , pintados por um artista da aldeia .
Separam-se com um abraço para se perderem de vista sob uma ponte de madeira á saída do grupo de casas ,perseguidos sempre por muitos cães.
Talvez estes cães ainda não soubessem que os primos constavam no menu em outras aldeias .

Não sabia Jo que, mais tarde, sem como nem porquê ,nem os cães ladrariam á sua passagem ,como se o ignorassem ,ou se tornasse invisível a eles .

Karim o barbeiro de Kulun 2







Os primeiros dias primaveris espreguiçavam-se por entre os altos picos e os sinuosos trilhos pintados em vários tons de verde que Jo desejava não mais acabassem .
Passou por centenas de aldeias sossegadas , nas montanhas de Kunlun , as portas de madeiras grossas e velhas das casas , abertas de par em par , davam noção de segurança e tranquilidade a quem passava.
Homens mais e menos novos , agachavam-se ao longo dos caminhos , em longas discussões muito gesticuladas ,“bom dia e boa viagem amigo, Deus te acompanhe”……. Diziam-lhe ,continuando as calorosas conversas.
Nos campos e florestas , mulheres de todas as idades realizavam trabalhos pesados mas sem pressas, carregavam às costas feixes e filhos bebes , enxugavam as testas do suor com as costas da mão.
Junto a uma ribeira cintilante como cristal , perto da aldeia de Atush na província de Xinjiang , região de Kizilu Kirghiz ,enquanto tomava um merecido banho , foi surpreendido por um grupo de mulheres jovens , usavam o local para lavar roupa, ouviu risos e olhares furtivos enquanto se vestia rapidamente.

Sem falsos melindres e faces descobertas , uma vez que os homens estavam fora de vista , foi convidado a partilhar o pão espalmado , tradicional e muito saboroso , do seu almoço.

Mais uma vez teve de contar quem era, que o apelidavam de Jo , tinha partido há muito de um local bem diverso deste, passado por regiões estranhas e mágicas, viu curiosidade em grandes olhos escuros, lagos sem fim como nunca tinha visto, chegavam tão fundo na sua alma que sentiu um arrepio e vontade de fugir para ainda mais longe.

Tinha cabelo negro , comprido e ondulado voando com o vento e o pescoço longo assentava num corpo ágil e harmonioso que se pressentia sob o vestido quase transparente.
Chamava-se Zahas significava o mundo , que queria conhecer,era professora.

Perguntou-lhe , com um largo sorriso se o podia acompanhar
(o acompanhar saboreou-o ele mais como fuga)
Sentiu-se tentado , mas com bons modos e um manear lento de cabeça , rejeitou a companhia.

Não só empreendia uma peregrinação solitária , mas também uma espécie de castigo ou penitência pelo que tencionava continuar sozinho.
Ela pediu-lhe então para ficar uns dias e conhecer a família o noivo Karim (o nobre), barbeiro de profissão e a sua linda aldeia.

Não havia dúvida que a aldeia era linda, já com mais características das aldeias chinesas que kirzigues que me tinha vindo a habituar , ate então.

Teve oportunidade , durante o tempo que passou naquele lugar encantado de conhecer as gentes da aldeia, simpáticas e atenciosas e Karim, homem curioso que ambicionava conhecer tudo, viajar e escrever mas que jamais sairia daquele lugar, constituiria família com Zahas,

provavelmente secariam os sonhos , tal como poças de água ao sol de verão mas seriam felizes, esqueceriam eles , que ele alguma vez tivesse passado por lá ?

Todos os dias Karim corria de casa para o trabalho e de volta a casa, mirava as estrelas e as mudanças de estações , dizia-lhe que gostava de sentir o vento falar-lhe aos ouvidos e acariciar o rosto ao correr, pensava melhor quando corria dizia-lhe ele, talvez ainda viesse a escrever esses mesmos pensamentos.

Era um indivíduo estranho e nervoso , se bem que o compreendesse melhor ele , que os vizinhos ,a noiva ou mesmo ele a si próprio.
Ultimamente tinha-se dedicado a dançar, tentava aprender a relacionar harmonia física, musica e alma.
A mãe de Zahas tinha acabado a viagem , ainda nova e o seu pai também tinha chegado ao fim á pouco, sendo ainda grande a dor da separação, restavam-lhe um irmão corpulento Musthafa, despojado e sonhador e uma irmã Nuria insegura e desligada.

Os serões e jantares soavam alegres e bem-dispostos, misturados com álcool de arroz, Karim quando bebia ficava eufórico e conviviam todos numa concofonia agradável até tarde.

A chuva que caía deixou-o pegado ao alpendre de madeira da casa , estava quase dormindo quando um beijo de Zahas o despertou.
Sabia que tinha de se despedir até sempre e quando se pôs ao caminho já não mais olhou para trás, não fosse arrepender-se.
Só de longe, de uma montanha próxima viu a aldeia na distância.

Pensou mais uma vez que gostaria de ver o filho de Zahas e Karim o barbeiro ,mas não voltaria ali mais .
Queria chegar antes do inverno a Tanshan,porque seria difícil passar os rios com grande caudal nessa altura do ano,.
Ao longe , do alto das montanhas ainda avistava a planície de Tarim ,longínqua como os tempos e as vidas passadas.

Acontecia com ele algo de estranho , conhecia já a criança que iria nascer dessa união, sabia-lhe o nome e tudo sobre ele, não quis pensar mais nisso .
Cada dia que passava , tudo em seu redor se ia transformando lentamente .

A própria natureza, os sons das árvores o cantar dos pássaros e o vento lhe segredavam, o embalavam e impeliam nalguma direcção. por qualquer razão desconhecida.

Montanyes de Llum 3





As etapas seguintes tiveram lugar em trilhos apertados
Num sobe e desce ritmado, sempre evitando gentes e os cornos dos pesados iaques carregados com sal junto a precipícios de cortar o fôlego.
A terra poeirenta de tantas passagens desfazia-se sob os seus pés, arrastando-o com ela por algumas dezenas de metros para baixo em direcção ao vazio, no esforço por se manter estável agarrava-se as pedras e arbustos.

A travessia dos muitos rios , eram feitas preso a peles de cabras , cheias de ar ao sabor da corrente ou puxado com cordas da outra margem, tornava-se difícil progredir mas algo lhe dizia que teria de chegar antes do Inverno a Lhasa.

Os sons dos animais , misturados com o “Om mani padme hum” dos peregrinos que se prostravam sucessivamente no pó , ecoavam pelas estreitas e labirínticas curvas do rio.

A zona de Thisha Tsang para onde se dirigia assemelhava-se a um organismo vivo, vales viçosos estendiam-se como tentáculos irrigados por canais cada vez mais estreitos ,onde cresciam rododendros, azáleas, magnólias e árvores de fruto , rodeadas por searas de centeio , no fundo de montanhas áridas.

Tinha passado a fronteira com o Tibete há já vários dias, evitando os principais acessos e as autoridades ocupantes chinesas, misteriosamente entendia bem todos os dialectos reconhecia locais, conhecia caminhos e pessoas que nunca tinha visto.

-Muntanyes de Llum

Disse-lhe em catalão um sujeito de tez ocidental apesar de muito queimado pelo sol, curvado e com vestes de monge cor de vinho e açafrão,.
Apontou jo e as distantes montanhas luminosas já além do planalto Tibetano; caminhou decidido ao seu encontro mas continuou sem mais nada dizer
chamava-se Pepe, sabia-o ainda antes de o encontrar, sob o braço levava o mantras que iria recitar vezes e vezes sem conta nalgum retiro solitário.
Jo ficou parado admirando o maravilhoso panorama de montanhas cobertas de neve , como alvos lençóis enrugados ao sol.

Próximo e dissimulado na paisagem, sobre uma colina coberta de tsi-tog, (flor endémica do planalto tibetano) um convidativo mosteiro, parecia adormecido por séculos de austera contemplação, para aí se dirigiu orientado por sons monocórdios de vozes humanas rezando misturadas com o som estridente de símbalos, tambores e tubas.

Sobre uma grande porta vermelha com adornos dourados estava escrito Mosteiro de Samye e Trono do venerado Pachen Lama, sede bem-vindos.

Entrou e foi como se sempre aí tivesse estado, a sensação era sentida também pelos monges que o esperavam e o receberam com grandes demonstrações de carinho e amizade.
Deixaram-no descansar da jornada numa cela previamente preparada, deram-lhe vestes limpas de monge para substituir a chuba (veste tradicional tibetana com grandes mangas) rasgada e suja que vestia desde que chegara ao planalto, disseram-lhe que o esperavam no grande átrio do mosteiro que estava magnificamente decorado com bandeiras de oração, tapeçarias pesadas e paredes pintadas com bodhisattvas e budhas.

Já reconfortado , sentou-se nos pesados bancos de madeira junto a quatro monges gelugpas que estavam comendo tsampa (manteiga de yac com farinha e cha ) e momos de vegetais, bebendo Bö-cha (chá tibetano com manteiga de yac) enquanto no chão um mandala muito colorido era executado em sua honra.

Um dos homens, Tsharing day (vida longa ) serviu-lhe , com grande destreza ,dada a falta dos dedos das mãos, um copo gigantesco de chang ou cerveja tibetana e contou-lhe enquanto bebiam devagar como tinha subido os catorze picos das montanhas de luz, que sentia profundamente a falta de dois amigos que tinha deixado para trás nessas montanhas sagradas.

Tinha sofrido queimaduras também na cara e no nariz mas disse-lhe não se importar devido ao amor que sentia pelo mundo, à fé inabalável no Ser Humano, todo o sofrimento seria recompensado, seria o seu tributo.

Os dias no mosteiro seguiram-se pacíficos e rituais, aprendeu (cham) dança ritual tibetana com Dyhana, simpática monja do mosteiro e o magro e temperamental egípcio Jan ,dançavam ao som de longas trombetas , tambores , címbalos e durava dias até entrarem em transe , encarnando espíritos malévolos e entidades protectoras.

Nadava frequentemente no lago turquesa de Manasovar-tso com Pepe, bom nadador apesar de gordo e pachorrento.Retirado numa pequena gruta ouvia os pensamentos ao som de cascatas e dos inúmeros pássaros.

Lembrou-se do velho manuscrito , retirou-o da mochila, conseguia agora decifrar facilmente tudo apesar de ser em sânscrito .
Era espantosa a facilidade com que lia e interpretava aquela escrita que via pela primeira vez.
contava a viagem que tinha feito, a continuação da mesma , o próximo encontro com o sábio Milarepa em shang-ri-la, nas montanhas luminosas de Kailsash .
A chegada a Lhasa ,onde o esperava Shri Devi (protector do Tibet ) ,estava tudo descrito, até os seus pensamentos mais profundos, como podia alguém há muitos e muitos séculos , tudo saber sobre ele e a sua demanda .

Diariamente aumentava o seu poder de decifrar escritas, compreender línguas e dialectos, ouvir pensamentos ou ver entidades cavalgando no vento e animando a natureza, como Tara nos 21 diferentes aspectos que apresentava, ou Avalokiteshvara de mil espadas nas tempestades poderosas sobre os vales e montanhas, sentia próximo o despertar.

Estava escrito,
Agora restava-lhe abandonar o retiro e partir na direcção que lhe apontara Pepe quando chegara, as montanhas de Luz.
Acompanhou-o durante algum tempo, era Medico e continuava a estudar pelo que teria de regressar depois de uma semana, o suficiente para aprender mais sobre beleza ,a da construção humana como com Tsharing ,o sacrifício ou com o barbeiro Karim o momentum e a imaginação com a esposa Jahas e O´Briant seu filho,a partilha ,Dhyana a simpática professora de dança ritual e jan,o egípcio (Cham) a harmonia ,com o Zépedal o desprendimento e enfim com todos os bodhisattvas e sadhus pela vida fora, pai e mãe ,musthafas e Nurias .

A pensão Paraíso de Futi Sherpa foi o local de despedida de Pepe, Futi era esposa de Tenzing , o primeiro homem a subir ao Qomolanga ou Sagamarta , a montanha mais alta da Terra , ainda hoje em dia todos os seus filhos , netos e bisnetos fascinados pelo brilho a homenageiam entregando-lhe a vida.

Um velho sherpa cego e de longas barbas brancas falou-lhe, curvando-se e juntando as mãos juntas em sinal de respeito.

- Namaste venerado Gautama o que fazeis por aqui tão longe de Lumbini, de vossa casa?

Disse-lhe que estava enganado, não era quem ele pensava mas o ancião não acreditou :

- Meu Gautama, um velho cego consegue ver melhor que cem mil olhos de outros tantos mil exércitos de homens, fui abençoado pela tua presença e o meu samsara passou a um estagio superior .

Jo pousou gentilmente a mão sobre a cabeça do velho, deixou a pequena casa e tomou uma vereda , à direita do caminho por onde chegara que seguia para Shang-ri-la a montanha sagrada Kailash e a gruta do poeta e Magico Milarepa.

TIBET - nó infinito - 4






Começou por avistar o monte Kailash desde a nascente do rio indus como uma grisalha cabeça de yeti .
Devido á mistura do gelo com a rocha escura das vertentes, aproximando-se, começa por vislumbrar bandos de abutres pairando sobre carcaças humanas , peregrinos prostrando-se no Kailash Kora e tentando completar as 23 parikramas ou voltas.

Na na face sul da montanha, cor de safira viam-se os sinais da luta de milarepa com naro bonchud ,as denominadas escadas para o céu.


Em damding donklang , este inicia a escalada para a gruta mas afunda um pé profundamente na margem do indus, (pegada (shabje) que será venerada por todas as gerações seguintes ).
O caudal do rio aumentara perigosamente e todo o cuidado seria pouco .
O mal em forma de dragão de três cabeças espreitava , teria de se apressar na difícil subida e alcançar protecção depressa , teve de retirar com as mãos algumas pedras que obstruíam a entrada, juntamente com as raízes de uma figueira dos Himalaias , de grande porte .

A gruta parecia uma catedral, pelo enorme buraco escancarado do teto jorrava luz ,que se projectava no chão e paredes vermelhas ,dando um tom vermelho alaranjado ao verde das urtigas que cresciam, e serviam de alimento a Milarepa.

No centro da sala onde o Magico Milarepa meditou por mil anos apenas restava;
O manto branco de algodão e mil repas de cotão saídas do seu umbigo , enquanto meditava, de Milarepa nem sinal, tinha desaparecido como por magia.

O som de Naga espírito da água tomando a forma de serpente tântrica , fascinou-o durante algumas horas até que esta , numa voz muito doce e suave o convidou a usar o cotão para confeccionar asas para que pudesse voar ate Lhasa
Chegaria ainda antes do Outono , como prediziam os Sutras e os oráculos , antes da escuridão e das das sombras inundarem a Terra , antes de Sinmo e outros demónios acordarem.

Prontas as asas, segue o curso do sagrado rio Bramaputra ate à nascente, no topo do shang-ri-la, dá um pequeno impulso e está voando sobre o mundo e todos os oprimidos sem esperança, as gentes sem pátria, sobre as vaidades e sonhos desfeitos, as tristezas e alegrias, já não é mais Jo mas Buddah ou sakya,como descrito nos sutras, acompanham-no
Chenresing vertendo lágrimas de compaixão e Tara nascida dessas lágrimas vertidas pelo sofrimento do mundo, pelo grande amor á humanidade.

Jahas gritou de alegria e dor nas míticas montanhas de kunlun ,enquanto saía de si um pequeno ser, chamar-se-ia O´Briant, o iluminado , ou o raio de luz, o choro daquela criança anunciou-se por montes e vales, atravessou oceanos, correu mundo, voou nas asas de aves e borboletas, pousou em flores, foi sementes e frutos de muitas cores.

Entretanto Buddha e As Duas Acompanhantes Sobrevoam o mundo três vezes , antes de pousarem no Chorten da luz infinita , no piso térreo do imponente Potalla em Llhasa ,entrando e virando a direita ,depois de passarem a sala da assembleia , onde já se encontravam reunidas todos os Bodhisattvas , Buddhas e demais Entidades ,recitando os mantras e lendo em voz alta os sutras , que descreviam a Sua vinda.

Encontrarem Shri Devi , protector de Lhasa , montado num fantástico cavalo branco, este recita om mani padme hum , dirigindo-se a Avalokitshvara Chensing , patrono do tibet e Lord Buddah ,oferece-lhe os manuscritos do sábio Guru Rinpoche que dizem:

“Quando voarem aves de ferro e os cavalos tiverem rodas , o povo tibetano espalhar-se-á pela terra , ocupando o homem vermelho o seu lugar , mas chegará a hora , em que as lágrimas da compaixão , libertarão as nossas ruas da opressão , o povo do tibet espalhado pela Terra regressará , assim como , todos os povos oprimidos da terra serão libertados.”

Depois de lido isto em voz alta,como troar de mil trovões, todos os Bodhisattvas ,Buddhas e demais Entidades voltaram ao seu dia a dia , encarnando aqui e ali , outros seres humanos simples e despreocupados que encontraram no seu caminho.


Jorge sentou-se frente à Tv., Fazendo zapping , cansado do trabalho ,apenas conseguiu ver algumas imagens de mais um filme maçador de Bollywood , a tomada de posse de Obama e arrastou-se a custo para a cama , a semana seguinte seria de ferias .

Sentiu o ritmo nas pernas e a leveza do corpo correndo pelos Pirinéus fora antes de adormecer ,tinha uma vontade irresistível de partir .


Jorge Manuel Mendes Santos
http://namastibet.blogspot.com



jorge santos

tradutor

center>

Licença creative commons

Creative Commons License
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. ESTA OBRA ESTÁ LICENCIADA SOB UMA LICENÇA CREATIVE COMMONS. POR FAVOR NÃO USE AS IMAGENS EM WEBSITES, BLOGS NEM OUTROS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SEM MINHA PERMISSÃO EXPLÍCITA. © TODOS OS DIREITOS RESERVADOS PLEASE DON'T USE THIS IMAGE ON WEBSITES, BLOGS OR OTHER MEDIA WITHOUT MY EXPLICIT PERMISSION. © ALL RIGHTS RESERVED