Patagonia..Adeus

Patagónia trail


Torres del Paine, 25 Dezembro 2002

-- Dia de Natal para alguns mortais, não para Mim, estive dramaticamente escarrapachado sobre uma periclitante crista austral. Nem sei como voltei ao mundo dos vivos.
Escrevia jo , mentalmente no seu diário,
Pensou também que nunca chegaria , a escrever esta frase.
O céu , muito negro , despejava tremenda Borrasca. Já não pensava em todas as tretas que diria aos amigos , sobre o amor pelas montanhas , bla bla bla…sim , em salvar a vida.
Agora tinha medo, estava, cagado de medo , ate ao fundo da espinha.
Nem os olhos ousavam virar-se para o espaço vazio, os pés
Destapavam-se em abismos.
Respirava com rapidez ritmada , para enfrentar o medo que teimava em abrir-se em pânico, na pele e em todo o corpo rijo.
Partira para a patagónia e para um sonho antigo,um grande Trail no " Mundo do fim do Mundo" , o "Patagónia Express" de Sepúlveda , tinha deixado no espírito de Jo , a vontade de explorar a ultima fronteira do homem, o inexplorado, pois ele aí estava. O fim do mundo para Jo ;... era já ali, num abismo interminável.
O outro colega de escalada, desaparecido bem lá cima , nos cuernos del Paine , possivelmente nunca mais o veria.
A meteorologia , previa grandes tempestades para esta altura do ano , mas ignoraram todos os avisos, a principio não eram mais que simples flocos , lindos , que caíam, depois , o céu ficou cada vez mais escorrido, o vento soprou como demónios uivantes e pronto, Foram empurrados brutalmente encosta abaixo, perto dos três mil e quinhentos metros de altitude, não havia hipótese de se agarrarem , ao gelo fino e à neve branda. Agora simplesmente o piolet numa das mãos , o separava da grande “cravasse” sob os pés.
Aproximava-se a noite e um sentimento miserável de solidão , apoderava-se de Jo, pensou no que estava fazendo ali, o que o levou a escalar esta e outra montanhas, não…não era porque estas estavam lá.
Ele também não esperava obter resposta.
Apenas as lágrimas geladas escorreram pela face fria.
Num ultimo suspiro , solta-se do “piolet “ e ainda sente a subtil leveza do corpo pairando pelo vazio .
Até Amanhã... Pensou Jo...

Jorge santos

Jo,regresso a Samarkand.


Já prescindira dos ventos, dos belos sóis e das sublimes luas há muito, pelo que este encontro com Pepe foi como que um sortilégio para Jo, o apelo dos grandes espaços.

Pepe, de caminhar lento, avançava pela estrada, sob uma ponte de madeira, precisamente no mesmo local onde deixara outro José, o jornalista brasileiro “Zé do pedal”o Andorinhão, ia a caminho da lendária Samarkand, do fabuloso deserto de Gobi e mais além.

Ofereceu-lhe um reconfortante Café na taberna” Vendaval “à saída da Vila, falaram todo o entardecer moreno, Jo apresentava o trilho que tão bem conhecia pela serra, era o percurso diário , casa trabalho e vice-versa de bicicleta e correndo, São Paulo, vale dos barris, moinho da Páscoa, Alto das necessidades, Moinho do Cuco etc., todos os nomes encantados.

Conta-lhe todas as experiencias do peregrino que Jo seguiu com muita atenção e com todos os sentimentos de Vagabundo que também possuía, o destino de ambos eram os caminhos.

Pepe, doutor em Zaragoza , magro , queimado pelo sol , perto de meio século bem vividos ao vento pela serras e planícies deste universo.

Não fosse o facto de lhe ter dado um abraço forte Jo não confiaria nos seus sentidos, um dos seus personagens havia regressado do fundo dos sonhos.

Sim, era realidade, os figurantes imaginários personificavam-se-lhe deste lado, Samarkand, kashgar e Lhassa permaneciam longínquas mas estes afluíam ao seu encontro um logo após outro.

Visto da guarita alta, onde Jo levou o Peregrino, o que parecia um largo Lago, estendia-se ,perante os olhos , por quilómetros depois da Serra Rasa, a Arrábida e desdobrava-se em abraços de um e outro lado da vila Cava, Setúbal o Sonho do Sado e Mar dos golfinhos alados.

Foi um par de tons que Pepe não mais esqueceria, o anoitecer sobre a Baía mágica do Sado e os despertares lentos e soalheiros de tons matinais e magistrais.

Quando finalmente se despediram, no moinho do cuco, o coração de Jo ficou mais pequeno ainda .
Tinha de continuar correndo, o comboio que o levaria de novo para a aventura ia partir breve ,
Apenas o tempo de pôr a mochila sobre as espáduas, calçar os ténis velhos, os calções usados e partir de novo ao encontro de sonhos e outras Matinas.

Jorge Santos

Senda Negra

Lanugens de jovem alfombram cadências de pele acastanhada e levemente rosada, evolucionam gradualmente e finalizam em deleitosos montículos que se elevam tesos em amendoim tostado. Melindrados, permitem-se intumescer do toque subtil dos lábios. Pelo menos na febril imaginação de Joel repassava esse sentimento.
Procedendo de elegante linha formam delta bem negro num profundo e algo intangível lago de onde se ausentam longas pernas em seda negra luzente.
Toda uma elegia voluptuosa enquadra o delta onde um vórtice umbilical se espraia em harmonioso declive.
Deslumbra-o o corpo posado da modelo e deixa se voar num cosmos paralelo de culpas e musas, negras sendas e encarnações de jovem.
Aqui e além surge já uma penugem mais densa, estende-se progressivamente ao fundo do lago e outra linha labial carnuda assoma debaixo, ladeia e distingue-se suavemente de um montículo rígido mais claro que o culmina.
Em cada evolução gestual sente-se equilíbrio e o corpo desfila num sem fim sensual de ténues curvas magnificamente produzidas em tons de seda preta.
Longos fios como cascatas em torvelinho ladeiam um rosto discreto de voracidade branda.
Sons macios a seda e cetim dispersam-se pelo silencioso ambiente ao menor movimento.
O Colo elevado e levemente inclinado permite que a catarata de cabelo repouse sobre um dorso modelado e enlaça com as nádegas fixas do corpo negro e delgado do modelo.

Do lado mudo do quarto Joel extasia-se em pinceladas precisas num quadro inacabado.
Nascido ataviado em noite de agonia, sem guerra e gloria, Joel Matos.
Hei-o…

Por Jorge Santos

Rumba

O sofrimento revelava-se-lhe, no rosto de Fidélio pressentia-se um coração partido e no corpo algo quebrado pesava uma grande paixão não correspondida.
Riu-se da associação de palavras que voavam sobre a sua cabeça como as grandes flores amarelas que levemente caiam das árvores meio despidas e cobriam o chão.
Rhum, Rumba e Cuba, embora o rhum fosse mais forte, ele ainda teimava pensar em rumbas e rimas inofensivas ,até para o estado Cubano se presumiam inocentes estes termos.
Abria caminho entre folhas e flores até um instável cais de madeira podre, tão apodrecido como os governantes de Cuba, pensou ele, cambaleante.
De Madrugada no Outono de Havana , o mar das Caraíbas apesar de onírico e quase plano aquela hora da manhã, não lhe transmitia a tranquilidade que parecia desejar .Apesar de jovem, secretamente alimentava-se de paixões impossíveis e escrevia poemas secretos.
Ao vai e vem lento das ondas calientes do mar tropical, responde o corpo de Fidélio, numa vontade louca de naufragar ou de deixar fluir os sentidos e os desequilíbrios cadenciados, imitando o refluir das vagas tranquilas.
Desde que deixara Dolores no”Che “ Cientro Cultural de Dança ” na noite anterior, o tempo apenas aumentou a dor da rejeição, um sofrimento tão profundo como ainda não tinha sentido.
Ensaiavam , entre outras danças, a Rumba, desde crianças, mas só agora na adolescência ,sentiu aquele quimérico prazer de tocar ,com a ponta dos dedos a face de Dolores ao dançar, de acariciar, de a sentir respirar encostada ao peito, afastar-se (um e… dois) encostar de novo (três e…4) o corpo, mansamente contra o seu ,num arrebatamento voluptuoso e lento.
O pai de Dolores, homem importante na “nomenklatura” do partido acumulava, entre muitos, os cargos de presidente do “Che -Cientro Cultural de Dança” e Comissiones Obreras de Cuba , Fidélio escrevia para um jornal clandestino.
Tinha resolvido beijar longamente Dolores e fê-lo; …as consequências foram devastadoras, ela, com um movimento lento mas forte e enérgico derruba-o , num pavimento demasiado encerado, indo parar junto ao pai, que acabava de entrar no salão de baile.
Todas as atenções e todos os dedos espetados o pareciam apontar, até que este, num prodigioso salto foge e afoga-se devagar no rum por todos os bares e dancetarias de Havana.
O tempo abrandou a marcha na cidade quente de piratas e Al Capones , os bares musicais mantiveram-se abertos até tarde e a “ salsa ” ouve-se ,redonda ,ao longe, imitando o motor de velho carro americano e aumenta a mágoa que aperta o coração de Fidélio.
Aproximou-se decidido da amurada em madeira quebrada e seria este o epílogo, não viesse em seu auxílio uma mão delicada, num movimento leve e o salva de morte certa, era Dolores que mais uma vez suavemente encosta o corpo ao de Fidelio para mais uma rumba no “Che -Cientro Cultural de Dança”

J.Santos

Feitiço da Terra

A Vila de Coca não constava no mapa, lugarejo húmido e circular construído sobre estacarias na beira pantanosa do rio Napo, um afluente vigoroso do Amazonas e local onde um velho autocarro, cheio de galinhas e gente, regressava semanalmente, perante o alvoroço dos Quinchuas e estancava ruidoso em redor de um enorme pau, que servia também de porta-estandarte ao único militar equatoriano destacado naquela última fronteira.
Pressentia-se sempre o início das tempestades quentes que assolavam Coca com frequência, como um pesado pano desciam sobre o palco esfusiante de verde naquele perdido pedaço de mundo ao som de mil tambores e , quando subitamente paravam, restava apenas metros de água barrenta sob barracas velhas como jangadas em oceano aberto.
O baixar das águas era um frenesim de galináceos que corriam como doidos, bicando grandes vermes de todos os feitios na lama que chegava aos joelhos de quem se aventurava na rua.
Aos sons nocturnos não faltavam nenhumas notas musicais, estavam todas lá, e ao mesmo tempo.
Toda a floresta respirava vapor e cheiro a uma humidade constante que dilatava os poros e cansava o corpo.
Dormia-se as sestas em redes suspensas , mas somente até as crianças chegarem da missão católica , já sem a farda estrangeirada imposta pelos padres e chapinharem nus e felizes gritando alto nas águas quentes do rio.
Belén também era um nome estrangeiro,foi dado a uma menina Quinchua que nadava como os peixes , com os Botos brincava todas aquelas tardes encantadas, longos cabelos dourados como as águas do Napo com que se confundia nas noites de grande luar, parecia fazer parte dele.
Sem família, simplesmente apareceu e depressa cativou a simpatia de todos, com gargalhadas alvoraçadas muito semelhantes às vocalizações dos golfinhos que se ouviam por toda a aldeia.
Dizia que era filha de um boto do rio Pastanza e a mãe da aldeia de Belén , daí ter recebido esse nome em sua memória .Talvez pai e mãe voltassem uma noite de luar para a levar , suspirava ela.
As incessantes aguas e as estações desceram muitos rios com a confiança de sempre, Belén tornou-se mais bela e esguia e cada dia mais inseparável do rio e de um Amigo Aymara chamado mayo , jovem que nasceu mudo e vivia num mundo muito próprio, falava com as estrelas , o vento e a floresta, via o horizonte como ninguém mais por ali, tinha olhos verde profundo e a pele cor de terra, Chamavam-lhe feiticeiro e era inseparável do feitiço de Belen como a vida é inseparável da Terra.
Chegaram um dia os engenheiros e as grandes máquinas infernais, diziam que iam trazer o progresso, construíram estradas e barragens, Coca ficou fazendo parte do mapa turístico do Equador, construíram-se hotéis nas grandes árvores, a vila cresceu e esqueceram a sagrada simbiose com a mãe natureza.
Sem aviso numa noite quente de luar Belén desaparece, viram-na ao longe na curva do rio, distanciando-se no luar, cabelos dourados em turvas e turbulentas águas.
Mayo perdeu o verde nos olhos, tornaram-se vagos e cegos, a pele ficou seca, parou a chuva e o rio secou, deixaram-se de ouvir os botos , os caimões na noite e as aves na floresta.
Mayo deixou de falar com o vento e as estrelas, deixou de ver o horizonte verde, agora todos tinham acesso a altas torres de comunicações mas mesmo assim não liam os sinais da Terra, deixaram de compreender o feitiço de mayo.
Mayo deixou-nos a todos, com a tristeza ,os profundos olhos verdes secaram, a linda Belén não mais foi vista,os cabelos dourados, nadando na distancia do rio Napo, ao luar….
Talvez tenha encontrado o pai ,que vivia no Pastanza e a mãe de Belén e ainda nade no que resta do grande Amazonas.
Talvez não, porque Mayo e Belén eram inseparáveis, como o feitiço da Terra e o encantamento das águas…


J.Santos

Tango


Tango O último raio de sol ainda ilumina as largas ruas, as latinas e quadradas plazas de Buenos Aires fim de tarde. Edifícios dourado róseo resplandecem de brilho , pesadas construções de pedra, simbolismo Espanhol noutro lado do mundo. No colorido e caprichoso bairro de Boca lentamente vão-se juntando pessoas em círculos nas estreitas e sinuosas ruas ,indiferentes ao trânsito. Um par vestido de negro dança ao som do tango, peles morenas e transpiradas, concentração total no movimento e no momento dançam com a alma pungente das guitarras espanholas. Aos câmbios de ritmo pronunciado dos músicos o par responde com o corpo num frenesim exagerado de sentimentos e emoções e em sintonia com o catalogo de cores das ruas contagia o mais lúgubre transeunte acotovelado na calle Santiago. Raul e Constância conheceram-se nas docas e ainda poucas palavras tinham cruzado até os pés desenharem os sons invisíveis das ruas. O bar totalmente cheio e a canilha de chá-mate vazia levaram-nos para outras paragens mais afastadas do rio La Plata, tinham no corpo magro a maldição da música, dançar transportava-os através de dimensões cósmicas que outros seres vivos ignoravam. Constância andava pelos trinta e poucos anos de idade, tinha coxas sensuais e uma bela silhueta de bailarina, pescoço esguio, olhos muito escuros e pele bronzeada, movimentos largos e suaves que controlava perfeitamente enquanto as mãos com longos dedos deslizavam demoradamente pelo corpo de Raul. Este era um pouco mais novo, Marinheiro e homem curtido pelo mar, em cada porto procurava o calor ausente das brisas marinhas, também ele dançava por paixão ,em todos os cais e com todas as amantes ocasionais. O tango foi alucinante assim como o devaneio que os uniu por um instante, as horas pareceram-lhes ínfimas fracções temporais. De mão dada ignoraram a vaga multidão calada e tão breves como chegaram afundam-se na distância da rua. As laranjeiras baixas ocultam a noite e esta fecha-se em cheiros doces e sombras dúbias onde dançam macabras todas as dúvidas e fantasias. Mal pendurada na parede branca uma placa em ferro ferrugento denuncia “pension” algo mais indistinto ainda: “Toscânia”; no interior, um pequeno pátio em terra batida, com muitos vasos e quartos dispostos em quadrado, preenchem um ambiente floral italiano deslocado em estranha noite austral. Raul e Constância trocam as roupas escuras e usadas pelos alvos lençóis e dão-se com fúria de vendavais, até que o fulgor da chama finda , os seus destinos afastam-se em silêncio cúmplice….. J.Santos

tradutor

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