"O Chico das saias"

Este conto será a minha pequena homenagem a um ermita que viveu na nossa serra mãe,a serra da Arrábida. Escreverei pela memoria que tenho deste homem singular cuja presença junto a sua casa em plena serra coabita no meu imaginário com a beleza magnífica do cenário envolvente
Chico das Saias (parte 1)
João Julião cansou-se da cidade de Setúbal e foi viver para Azeitão, barbeiro e amante da natureza, ficaria mais próximo das corridas e dos grandes espaços livres, partiu de Setúbal e do apartamento no Bairro do Liceu próximo de onde trabalhava, poderia pedalar do Salão de barbeiro ate casa e vice-versa, sentia-se pelo caminho o homem mais feliz do mundo quando percorria estreitos caminhos de terra-batida, sentia o cheiro peculiar da chuva, ouvia os pássaros festejando o dia e o vento refrescava-lhe o rosto transpirado.
Nos fins-de-semana alargava a corrida, partiu nesse dia em direcção a Sesimbra por um caminho que não fazia há muito, era largo , com areia e muito difícil de percorrer, ligava Sampaio com a Quinta do Conde. Passou o imponente portão da Quinta do Calhariz, atravessou-a ate a Serra do Risco e ao “prado das carraças” como lhe chamavam os ciclistas todo-o- terreno, foi do Portinho da Arrábida ao Convento por um caminho estreito muito antigo, depois subiu o Alto Formosinho onde parou por breves instantes observando o grande percurso feito e antes de descer para a Mata do Vidal, o Castelo dos Mouros e o parque campismo dos Picheleiros, admirava-se conseguir correr tanto, tinha começado à anos por percorrer cerca de cinco quilómetros, agora tinha deixado de contar o tempo e a distancia.
Estava com sede, parou para pedir água junto a uma casa dissimulada no meio da serra, a cabana do Chico das Saias, há muito não passava por lá, a água sabia aí mais pura e gostava de falar com aquela personagem singular e pragmático. Ficou surpreendido por ver a casa destruída, com as gavetas arrancadas dos velhos móveis, papeis espalhados e sem sinais do ancião.
Conhecia -o há tantos anos como a Arrábida, Chico Carcavelos era o seu nome mas todos o conheciam por Chico das Saias e era indissociável daquela serra, sempre o conheceu velho, ele próprio confessou-lhe não saber a idade que tinha, estaria pelos cem, mais coisa menos coisa.
Regressou a casa triste e pensativo, sem saber o que tinha acontecido, gostava dele, pela coragem de fugir do mundo, tinha uma saúde de ferro por isso algo se passava e resolveu investigar.
Ao jantar João conta o sucedido ao filho Brian, de dez anos, criança curiosa e imaginativa. Devido a origem da mãe ser em Joanesburgo e o pai gostar do filme dos monthy python`s “Life of Brian” este tinha um nome Inglês difícil de ler pelos colegas de escola.
Brian lembra ao pai que a quinta ao lado da casa tem o mesmo nome do Chico, Quinta de Carcavelos,Vinha da Sardinha, o sítio onde alguém plantou uma cruz enorme azul e branca iluminada como um farol na noite, numa soube porquê, se seria algum local de culto ou apenas mau gosto.
Descobrem com tristeza que o Chico tinha sido encontrado morto meses antes e com evidentes sinais de violência física na cabana onde vivia.
No dia seguinte Brian descreve os acontecimentos aos seus amigos Gonçalo e Rafaela durante o passeio diário de bicicleta pelo campo acompanhados pela cadela Inuit, uma linda husky que encontraram abandonada, estes disseram-lhe que desconfiavam já dos movimentos suspeitos no interior da quinta.
Encostaram as bicicletas junto a casa das tortas de Azeitão, chamada casa do cego, eleita também pela sua cadela para passar os dias deitada á porta espreguiçando-se e esperando por algumas migalhas, Perguntam ao dono, um senhor baixo, gordo e simpático o que sabia sobre o Chico das Saias, este diz-lhes que talvez na quinta da Conceição, onde ele trabalhou desde criança ou o senhor Pedro da quinta do Calhariz, também amigo do Chico lhes pudessem informar sobre pormenores da sua vida.
Eles conhecem bem o sítio do Negrão ou da Conceição, costumavam apanhar lá marmelos para fazerem uma marmelada muito boa, mas por vezes aparecia um dos donos muito antipático pelo que tinham de fugir rapidamente, notava-se que não gostavam de visitas.
O enorme palácio com estátuas de gárgulas nos beirais e demónios nas escadarias assustava-os mas mesmo assim fizeram tocar o grande sino ...
Abriu-lhes uma porta que rangia fortemente o dito homem que não queria que apanhassem os marmelos e disse rugindo:
- O que querem daqui seus larápios.
Responderam ao mesmo tempo e com vontade de fugir dali , que só queriam umas informações sobre o Chico.
-Não conheço nenhum Chico, e saiam já daqui ou solto os cães.
Correram o mais que podiam até ficarem longe da casa, sentiam-se tristes por não conseguirem saber a história daquele homem mas ao passarem perto do pastor da propriedade este chamou-os e disse-lhes que tinha conhecido bem o Chico quando trabalhava com ele na Quinta:
- Bom homem, pena ter-se passado ..., ir viver prá serra vestido de mulher …ah ..,cá pra mim foi pena d´amor ,ele e o filho do dono da quinta ,o pai d´aquele ....
Apontou a porta da casa onde tinham estado
-Gostavam da mema mulher , que trabalhava também aqui mas desapereceu sem deixar rasto…
continuou dizendo ,- grande desgosto teve o senhor Salgado quando o Chico saiu daqui….ate di´ziam que era como se fosse um filho pra ele..se não era memo..
chegou-se mais a eles e segredou-lhes em voz muito baixa :
-…até dizem prá´i que há um testamento secreto pró Chico mas ninguem sabe nada…quaquer coisa com a quinta de Carcavelos ..não sê más nada…
(continua) mas não sei quando!!!!

TIBET - nó infinito - 4






Começou por avistar o monte Kailash desde a nascente do rio indus como uma grisalha cabeça de yeti .
Devido á mistura do gelo com a rocha escura das vertentes, aproximando-se, começa por vislumbrar bandos de abutres pairando sobre carcaças humanas , peregrinos prostrando-se no Kailash Kora e tentando completar as 23 parikramas ou voltas.
Na na face sul da montanha, cor de safira viam-se os sinais da luta de milarepa com naro bonchud ,as denominadas escadas para o céu.



Em damding donklang , este inicia a escalada para a gruta mas afunda um pé profundamente na margem do indus, (pegada (shabje) que será venerada por todas as gerações seguintes ).
O caudal do rio aumentara perigosamente e todo o cuidado seria pouco .
O mal em forma de dragão de três cabeças espreitava , teria de se apressar na difícil subida e alcançar protecção depressa , teve de retirar com as mãos algumas pedras que obstruíam a entrada, juntamente com as raízes de uma figueira dos Himalaias , de grande porte .

A gruta parecia uma catedral, pelo enorme buraco escancarado do teto jorrava luz ,que se projectava no chão e paredes vermelhas ,dando um tom vermelho alaranjado ao verde das urtigas que cresciam, e serviam de alimento a Milarepa.

No centro da sala onde o Magico Milarepa meditou por mil anos apenas restava;
O manto branco de algodão e mil repas de cotão saídas do seu umbigo , enquanto meditava, de Milarepa nem sinal, tinha desaparecido como por magia.

O som de Naga espírito da água tomando a forma de serpente tântrica , fascinou-o durante algumas horas até que esta , numa voz muito doce e suave o convidou a usar o cotão para confeccionar asas para que pudesse voar ate Lhasa
Chegaria ainda antes do Outono , como prediziam os Sutras e os oráculos , antes da escuridão e das das sombras inundarem a Terra , antes de Sinmo e outros demónios acordarem.

Prontas as asas, segue o curso do sagrado rio Bramaputra ate à nascente, no topo do shang-ri-la, dá um pequeno impulso e está voando sobre o mundo e todos os oprimidos sem esperança, as gentes sem pátria, sobre as vaidades e sonhos desfeitos, as tristezas e alegrias, já não é mais Jo mas Buddah ou sakya,como descrito nos sutras, acompanham-no
Chenresing vertendo lágrimas de compaixão e Tara nascida dessas lágrimas vertidas pelo sofrimento do mundo, pelo grande amor á humanidade.

Jahas gritou de alegria e dor nas míticas montanhas de kunlun ,enquanto saía de si um pequeno ser, chamar-se-ia O´Briant, o iluminado , ou o raio de luz, o choro daquela criança anunciou-se por montes e vales, atravessou oceanos, correu mundo, voou nas asas de aves e borboletas, pousou em flores, foi sementes e frutos de muitas cores.

Entretanto Buddha e As Duas Acompanhantes Sobrevoam o mundo três vezes , antes de pousarem no Chorten da luz infinita , no piso térreo do imponente Potalla em Llhasa ,entrando e virando a direita ,depois de passarem a sala da assembleia , onde já se encontravam reunidas todos os Bodhisattvas , Buddhas e demais Entidades ,recitando os mantras e lendo em voz alta os sutras , que descreviam a Sua vinda.

Encontrarem Shri Devi , protector de Lhasa , montado num fantástico cavalo branco, este recita om mani padme hum , dirigindo-se a Avalokitshvara Chensing , patrono do tibet e Lord Buddah ,oferece-lhe os manuscritos do sábio Guru Rinpoche que dizem:

“Quando voarem aves de ferro e os cavalos tiverem rodas , o povo tibetano espalhar-se-á pela terra , ocupando o homem vermelho o seu lugar , mas chegará a hora , em que as lágrimas da compaixão , libertarão as nossas ruas da opressão , o povo do tibet espalhado pela Terra regressará , assim como , todos os povos oprimidos da terra serão libertados.”

Depois de lido isto em voz alta,como troar de mil trovões, todos os Bodhisattvas ,Buddhas e demais Entidades voltaram ao seu dia a dia , encarnando aqui e ali , outros seres humanos simples e despreocupados que encontraram no seu caminho.


Jorge sentou-se frente à Tv., Fazendo zapping , cansado do trabalho ,apenas conseguiu ver algumas imagens de mais um filme maçador de Bollywood , a tomada de posse de Obama e arrastou-se a custo para a cama , a semana seguinte seria de ferias .

Sentiu o ritmo nas pernas e a leveza do corpo correndo pelos Pirinéus fora antes de adormecer ,tinha uma vontade irresistível de partir .
Jorge Santos

Montanyes de Llum 3


As etapas seguintes tiveram lugar em trilhos apertados
Num sobe e desce ritmado, sempre evitando gentes e os cornos dos pesados iaques carregados com sal junto a precipícios de cortar o fôlego.
A terra poeirenta de tantas passagens desfazia-se sob os seus pés, arrastando-o com ela por algumas dezenas de metros para baixo em direcção ao vazio, no esforço por se manter estável agarrava-se as pedras e arbustos.

A travessia dos muitos rios , eram feitas preso a peles de cabras , cheias de ar ao sabor da corrente ou puxado com cordas da outra margem, tornava-se difícil progredir mas algo lhe dizia que teria de chegar antes do Inverno a Lhasa.
Os sons dos animais , misturados com o “Om mani padme hum” dos peregrinos que se prostravam sucessivamente no pó , ecoavam pelas estreitas e labirínticas curvas do rio.
A zona de Thisha Tsang para onde se dirigia assemelhava-se a um organismo vivo, vales viçosos estendiam-se como tentáculos irrigados por canais cada vez mais estreitos ,onde cresciam rododendros, azáleas, magnólias e árvores de fruto , rodeadas por searas de centeio , no fundo de montanhas áridas.
Tinha passado a fronteira com o Tibete há já vários dias, evitando os principais acessos e as autoridades ocupantes chinesas, misteriosamente entendia bem todos os dialectos reconhecia locais, conhecia caminhos e pessoas que nunca tinha visto.
-Muntanyes de Llum
Disse-lhe em catalão um sujeito de tez ocidental apesar de muito queimado pelo sol, curvado e com vestes de monge cor de vinho e açafrão,.
Apontou jo e as distantes montanhas luminosas já além do planalto Tibetano; caminhou decidido ao seu encontro mas continuou sem mais nada dizer
chamava-se Pepe, sabia-o ainda antes de o encontrar, sob o braço levava o mantras que iria recitar vezes e vezes sem conta nalgum retiro solitário.
Jo ficou parado admirando o maravilhoso panorama de montanhas cobertas de neve , como alvos lençóis enrugados ao sol.
Próximo e dissimulado na paisagem, sobre uma colina coberta de tsi-tog, (flor endémica do planalto tibetano) um convidativo mosteiro, parecia adormecido por séculos de austera contemplação, para aí se dirigiu orientado por sons monocórdios de vozes humanas rezando misturadas com o som estridente de símbalos, tambores e tubas.
Sobre uma grande porta vermelha com adornos dourados estava escrito Mosteiro de Samye e Trono do venerado Pachen Lama, sede bem-vindos.
Entrou e foi como se sempre aí tivesse estado, a sensação era sentida também pelos monges que o esperavam e o receberam com grandes demonstrações de carinho e amizade.
Deixaram-no descansar da jornada numa cela previamente preparada, deram-lhe vestes limpas de monge para substituir a chuba (veste tradicional tibetana com grandes mangas) rasgada e suja que vestia desde que chegara ao planalto, disseram-lhe que o esperavam no grande átrio do mosteiro que estava magnificamente decorado com bandeiras de oração, tapeçarias pesadas e paredes pintadas com bodhisattvas e budhas.
Já reconfortado , sentou-se nos pesados bancos de madeira junto a quatro monges gelugpas que estavam comendo tsampa (manteiga de yac com farinha e cha ) e momos de vegetais, bebendo Bö-cha (chá tibetano com manteiga de yac) enquanto no chão um mandala muito colorido era executado em sua honra.
Um dos homens, Tsharing day (vida longa ) serviu-lhe , com grande destreza ,dada a falta dos dedos das mãos, um copo gigantesco de chang ou cerveja tibetana e contou-lhe enquanto bebiam devagar como tinha subido os catorze picos das montanhas de luz, que sentia profundamente a falta de dois amigos que tinha deixado para trás nessas montanhas sagradas.
Tinha sofrido queimaduras também na cara e no nariz mas disse-lhe não se importar devido ao amor que sentia pelo mundo, à fé inabalável no Ser Humano, todo o sofrimento seria recompensado, seria o seu tributo.
Os dias no mosteiro seguiram-se pacíficos e rituais, aprendeu (cham) dança ritual tibetana com Dyhana, simpática monja do mosteiro e o magro e temperamental egípcio Jan ,dançavam ao som de longas trombetas , tambores , címbalos e durava dias até entrarem em transe , encarnando espíritos malévolos e entidades protectoras.
Nadava frequentemente no lago turquesa de Manasovar-tso com Pepe, bom nadador apesar de gordo e pachorrento.Retirado numa pequena gruta ouvia os pensamentos ao som de cascatas e dos inúmeros pássaros.
Lembrou-se do velho manuscrito , retirou-o da mochila, conseguia agora decifrar facilmente tudo apesar de ser em sânscrito .
Era espantosa a facilidade com que lia e interpretava aquela escrita que via pela primeira vez.
contava a viagem que tinha feito, a continuação da mesma , o próximo encontro com o sábio Milarepa em shang-ri-la, nas montanhas luminosas de Kailsash .
A chegada a Lhasa ,onde o esperava Shri Devi (protector do Tibet ) ,estava tudo descrito, até os seus pensamentos mais profundos, como podia alguém há muitos e muitos séculos , tudo saber sobre ele e a sua demanda .
Diariamente aumentava o seu poder de decifrar escritas, compreender línguas e dialectos, ouvir pensamentos ou ver entidades cavalgando no vento e animando a natureza, como Tara nos 21 diferentes aspectos que apresentava, ou Avalokiteshvara de mil espadas nas tempestades poderosas sobre os vales e montanhas, sentia próximo o despertar.
Estava escrito,
Agora restava-lhe abandonar o retiro e partir na direcção que lhe apontara Pepe quando chegara, as montanhas de Luz.
Acompanhou-o durante algum tempo, era Medico e continuava a estudar pelo que teria de regressar depois de uma semana, o suficiente para aprender mais sobre beleza ,a da construção humana como com Tsharing ,o sacrifício ou com o barbeiro Karim o momentum e a imaginação com a esposa Jahas e O´Briant seu filho,a partilha ,Dhyana a simpática professora de dança ritual e jan,o egípcio (Cham) a harmonia ,com o Zépedal o desprendimento e enfim com todos os bodhisattvas e sadhus pela vida fora, pai e mãe ,musthafas e Nurias .
A pensão Paraíso de Futi Sherpa foi o local de despedida de Pepe, Futi era esposa de Tenzing , o primeiro homem a subir ao Qomolanga ou Sagamarta , a montanha mais alta da Terra , ainda hoje em dia todos os seus filhos , netos e bisnetos fascinados pelo brilho a homenageiam entregando-lhe a vida.
Um velho sherpa cego e de longas barbas brancas falou-lhe, curvando-se e juntando as mãos juntas em sinal de respeito.
- Namaste venerado Gautama o que fazeis por aqui tão longe de Lumbini, de vossa casa?
Disse-lhe que estava enganado, não era quem ele pensava mas o ancião não acreditou :
- Meu Gautama, um velho cego consegue ver melhor que cem mil olhos de outros tantos mil exércitos de homens, fui abençoado pela tua presença e o meu samsara passou a um estagio superior .
Jo pousou gentilmente a mão sobre a cabeça do velho, deixou a pequena casa e tomou uma vereda , à direita do caminho por onde chegara que seguia para Shang-ri-la a montanha sagrada Kailash e a gruta do poeta e Magico Milarepa. Jorge Santos (continua)

tradutor

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