Quinta-feira,25 Abril de 2013, Setúbal- Portugal
Nasci em Grândola-Portugal, em 1961 a 3 de
Julho, na vila que deu o mote para a canção da liberdade em Portugal, (Grândola
Vila morena) no 25 de Abril de 1974,os meus pais trabalhavam no campo, nessa
zona do país de grande proprietários tradicionalistas e baixos salários, daí
terem migrado para uma cidade maior e nesse tempo, mais industrial, Setúbal.
Começou o meu pai, por trabalhar na montagem automóvel,
um pouco mais bem remunerada, mas que o obrigou a abraçar a profissão de
Barbeiro, por conta própria num pequeno estabelecimento, (onde ainda hoje ainda
trabalhamos, apesar deste ter 81 anos de juventude) revelou-se uma profissão mais
compensatória para ambos que o trabalho sazonal no campo a que estava sujeito no
Alentejo Português ou o trabalho de linha de montagem industrial e rotineira, apesar
de tudo, aí era mais bem pago, mas muito duro, também eu trabalhei na industria
naval embora estudasse durante a noite, pensava tornar-me num cinzento advogado
de divórcios e outras causas litigiosas.
Cedo surgiu em mim o gosto pela aventura e pelos
grandes espaços e foi como uma bola de neve que fui travando conhecimento com
aventureiros e escaladores assim como o primeiro escalador Português do
Evereste, João Garcia com o qual conheci os Himalaia e os Andes Chilenos.
Durante
os 13/14 dias em que percorri o GR 11 a pé, desde Irun não parei de pensar na
próxima aventura e pareceu-me apropriado que, se conseguia correr os 800 km e
40.000 metros de desnível acumulado do GR 11, desde o Atlântico até Cap de
Creus no Mediterraneo (apenas mais seis ou sete dias que o célebre Catalão Kilian
Jonet, com metade da minha idade) como já tinha feito de bicicleta em sete dias
o Caminho de Santigo Francês e cruzado em Burgette/Roncesvalles os Peregrinos
que se dirigiam a santiago pelo que o mais apropriado seria cruzar de
bicicleta, (por etapas tal como tinha feito estas duas travessias da península
Ibérica) toda a zona Continental contínua da China até ao extremo ocidental da
Europa mais ou menos pelo mesmo paralelo da península Ibérica e ainda mais porque todo o fluxo histórico parecia vir desta direcção, todo
o comércio não só da seda mas da sede de conhecimento humano.
Talvez fosse mais sensato descer toda a América
de bicicleta, com maior segurança, mas as cidades mais importantes estavam na
Asia Central, Samarkand, Bukhara, Khiva, Urgench ou Merv e Portugal ou a
Espanha tinham ditado o fim dessa rota milenar, nada mais apropriado que prestar
homenagem as Caravanas e aventureiros que se haviam perdido nesses caminhos tal
como Marco Polo e outros, sem registo nas histórias contadas junto das fogueiras
dos acampamentos sob as estrelas que ainda hoje são as mesmas e que me servirão
todavia de tecto.
Será a primeira vez, que irei percorrer um tão
grande número de quilómetros em tão poucos dias, sou Português por nascimento e
barbeiro de profissão, o tempo de descanso é curto e dependo unicamente do meu
trabalho,pelo que tenho de tirar partido do pouco tempo livre e fazer o máximo
nesse espaço de tempo, neste caso 4.500 em trinta dias, quase a distância de
Madrid a Moscovo num mês, ou seja, terei de percorrer 150 quilómetros por dia
sem descanso durante esse espaço de tempo.
Será a primeira etapa de um plano ambicioso em
que tenciono pedalar até ao extremo mais ocidental da Europa, o cabo Sardão nas
praias de Portugal no Alentejo.
Comecei por pedir a aplicação do visto para a
China no passaporte (disseram-me na agencia de viagens onde comprei o bilhete
de avião que não seria necessário visto para o Quirguistão) demorado e
burocrático foi este visto para a China,, fazendo-me sentir como seria difícil
o percurso num dos maiores países do mundo mas também um dos mais burocráticos.
As próximas fases serão o fazer listas o mais
concisas possível dos objectos a transportar, arrumá-los e depois ir retirando
tudo o que não for absolutamente necessário a sobrevivência diária, a roupa,-á
parte os calções almofadados de ciclismo-, será comprada nos mercados locais
para me parecer o mais possível com os habitantes de cada região da Ásia (cada uma delas
do tamanho de países como a França a Espanha ou a Polónia)
Lembro-me, passados tantos anos de uma série de
televisão que me iluminava os olhos e a alma apesar de ainda ser a preto e
branco. Ah, e aquela música de Kitaro emocionava-me pela magia dos novos sons
orientais,(The silk Road) Kitaro era o musico Japonês que compunha a banda
sonora e teve aquela musica a faculdade de um despertar para o oriente e para a
mítica rota-da-seda, algo até então longínquo como hoje ainda é, as cidades
chinesas e todas ao longo desta rota milenar modificaram-se entretanto mas
espero ver um ultimo vestígio das imagens com que aprendi a conviver faz quase 40
anos, na serie televisiva que esperava semanalmente ver no minúsculo ecrã ,um
aparelho ligado a uma bateria pois não possuía electricidade em casa, isso eram
coisas de meninos ricos e a minha casa era no campo, quase sem caminhos nem
agua canalizada ou casa de banho como
hoje dificilmente conseguem imaginar.
Lembro-me da inveja que tinha dos outros meninos
da escola, falavam de ouvir música num gira-discos e eu nem sabia o que isso
era, agora não invejo os "sedentários" dos meus colegas de turma, um deles bastante
famoso, José Mourinho, mas com o qual, não trocava a liberdade suprema, de me
perder na vastidão do mundo.
Talvez por isso sinta mais afinidade com estas
civilizações do mundo do fim do mundo, do que com o acanhado ocidente, dito
civilizado e homologado…
Há duas vias ou formas para alcançar o Ocidente vindo
da China através do deserto do Taklamakan ou pelo norte via Turpan e Urumqui,ou
junto a fronteira do Tibet por Golmud e yarkand, no coração do deserto de areia
quente, será esse, o meu percurso, o mais longe possível dos autocarros de
turistas que insistem em visitar a imponente muralha da China e em transformar
as rotas da seda em mais um circo ou uma Disney, no fim do caminho Chines,
estará uma cidade muito importante desta rota milenar, Kashgar onde confluem as
varias vias para o ocidente e também o caminho Norte Sul para o Afeganistão e
Paquistão que dava acesso a antiga cidade de karakorum na Mongólia a norte do
Altai, e que ainda dá o nome a uma das mais altas passagens do mundo o karakorum
pass.
Torugart pass será um dos pontos históricos mais
importantes desta primeira etapa por existe aí um caravansary (local
fortificado e refugio de caravanas durante a noite)em bom estado de conservação
onde poderei sentir alguns restos da poderosa energia que levou os homens a
caminhar para ocidente.
Tenho viagem marcada no fim do mês de Junho em
Bishkek no Kirguistão, antiga república da Confederação Russa e um mês para
pedalar entretanto,rumo a esse destino, começando em Xi’an, berço da China
actual no dia 30 de Maio de 2013.
Em 2014 Retomarei de Bishkek, o caminho até
Istanbul através do Irão e do monte Ararat, o monte da fantástica arca de Noé e
em 2015 cruzarei, se Deus quiser, Alá ou Confúcio a Europa até ao cabo mais
ocidental, o cabo Sardão nas praias de Portugal.
Jorge Santos (namastibet@gmail.com)